Quando abordamos a filosofia
neoplatônica constatamos de pronto um fenônemo muitíssimo interessante: o fato
de pensadores ocupados sobremaneira com a busca da verdade mediante a
hermenêutica dos diálogos platônicos (e de seus desdobramentos e críticas),
serem capazes de elaborar doutrinas e teorias extremamente originais;
originalidade que não pode ser oriunda senão do próprio ato de se debruçar
sobre a obra platônica e repensar seus fundamentos. Todavia, a miríade de
reflexões que os neoplatônicos nos trazem é frequentemente vista com suspeita;
é comum eles serem repreendidos pela falta de literalidade no seu trato com os
textos, o que supostamente torna-os fontes não confiáveis para compreender a
filosofia de Platão. Seja como for, parece-nos que suas reflexões são de grande
valia precisamente pelo fato de nos forçarem a uma perspectiva com a qual não
estamos acostumados.
Com
o objetivo de apresentar panoramicamente o modo pelo qual o neoplatonismo
lidava com a obra de Platão, escolhemos a leitura de Olimpiodoro e Damascio,
dois neoplatônicos tardios, acerca do Fédon: mais especificamente, a
célebre interdição ao suicídio, apresentada por Sócrates no prólogo; uma
questão que desde a antiguidade tem ocupado lugar de destaque no pensamento
filosófico e religioso. Ver-se-á que esses autores, na tentativa de compreender
um tema controverso, abordam-no a partir de várias frentes: lançam mão de
conceitos próprios ao neoplatonismo (por exemplo, as noções de providência e de
mímesis do divino), se inspiram nos comentários de seus antecessores e
usam inclusive argumentos estremes de endosso textual. Com efeito, ressalta-se
um movimento curioso no neoplatonismo: o fato de cada filósofo lidar com a
mesma questão de modo bastante singular. Em suma, esperamos mostrar que os
neoplatônicos - assim como nós, pesquisadores contemporâneos - depararam-se com
a magnitude da obra platônica e se esforçaram ao máximo para entendê-la.
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